O ano é 1987. O presidente do Brasil é José Sarney, o presidente dos EUA é Ronald Reagan e o mundo vive os últimos anos da Guerra Fria entre os americanos e a União Soviética. O Brasil começa uma progressiva transição para a democracia. A Super-Máquina, Esquadrão Classe-A eMiami Vice são as séries do momento no Brasil. Michael Jackson é, de longe, o artista mais popular do universo. O U2 lança o seu seminal álbum The Joshua Tree.
Um aparelho de telefone com fio e um televisor colorido com tela de 14 polegadas e controle remoto são algumas das coisas mais sofisticadas que você pode ter na sua sala. Em 13 de setembro (um dia antes do meu aniversário), ocorreu o acidente com Césio-137 em Goiânia, até hoje considerado o pior acidente radioativo em área urbana de todos os tempos.
Basicamente, esse era o Brasil e o mundo. Não que eu estivesse particularmente muito interessado na maior parte dessas coisas (bem, eu gostava do Michael Jackson e de Super-Máquina …). Eu estava entre os cinco e os seis anos de idade, entrando na escola no pré-primário. Minha vida era brincar. Mas faltava uma coisa, algo que já capturava os corações e mentes das crianças naquela época: um videogame! E, naquele ano, eu viria a ganhar o meu primeiro console, o SUPERGAME, um clone nacional do Atari 2600, fabricado pela CCE.
“Atari”? Ora, mas em 1987 já existiam o Nintendo 8-bits e o Master System, correto? Sim, masaqui no Brasil ainda eram poucos os privilegiados que já estavam ingressando na ainda inovadora terceira geração de consoles. Embora o Atari já contasse com 10 anos de vida no mercado internacional, aqui no Brasil ele ainda gozava de imensa popularidade naqueles tempos, o que podia ser verificado pela grande quantidade de clones nacionais que o console tinha, fabricados por empresas como CCE, Milmar, Dynacom e outras.
O Supergame já causava suspiros antes de sair da caixa. A embalagem, extremamente caprichada, mostrava o console como se fosse o computador de bordo de uma espaçonave, com naves inimigas aparecendo no espaço sideral, vistas pelo painel da nave. A mensagem era clara: “atenção, fedelho, o poder está agora em suas mãos. Prepare-se para trocar tiros – muitos tiros! – com naves alienígenas”.
Se bem me lembro, o console vinha acompanhado de três cartuchos. Um deles era Command Raid (do qual nunca gostei muito), o outro eu não lembro qual era e o último era PAC-MAN, o game definitivo da minha infância. É, eu sei: o Pac-Man do Atari 2600 é um dos jogos mais criticados e avacalhados de todos os tempos, e hoje faz parte da cultura retrogamer crucificar o jogo. Mas acreditem nessa testemunha ocular da história que vos fala: na época, todo mundo por aqui AMAVA esse jogo. Não é como se as crianças fossem familiarizadas com o Pac-Man original do arcade e estivessem em condições de fazer juízos comparativos críticos. Todo mundo adorava o Pac-Man e a versão mais popular do jogo era a do Atari, e era só isso o que importava.
O Supergame tinha um belo visual “black”, e eu sempre achei ele mais bonito e elegante do que o Atari 2600 original da Atari. Os joysticks também eram em preto, com o enorme (e único) botão na cor amarela. Os joysticks eram bonitos, mas de uma fragilidade comovente, e quebravam com irritante facilidade. Felizmente, existiam no mercado alternativas na forma de joysticks “pad”, menos propensos a quebrar do que os joysticks “de torre” como aqueles que acompanhavam consoles.
O game-símbolo dessa época dos joysticks que quebravam com frequência é o célebre jogo de esportes Decathlon (que, graças a Deus, eu nunca joguei naqueles tempos). Com suas provas de corrida, o jogo era um campeão absoluto em causar o arrebentamento de joysticks.
O grande barato de ter um Atari (ou um clone nacional) era o preço reduzido dos cartuchos, que eram muito acessíveis. Haviam cartuchos de todos os tipos, lançados por empresas das mais diversas. Os da CCE eram os que apresentavam os desenhos mais legais. Os da Milmar, por sua vez, se destacavam por trazer quatro jogos num único cartucho, usando um sistema de “chaves” compostas para seleção do jogo desejado.
Era uma festa: todo mundo que tinha um console compatível com Atari em casa tinha também uma caixa de sapatos (ou algo semelhante) repleta de cartuchos. Era algo muito, mas MUITO diferente do que se viu pouco tempo depois, na época do Master System e do Mega Drive, quando o custo de três ou quatro cartuchos atingia o valor do próprio console! No entanto, a razão desses “preços baratos” da cena nacional do Atari é hoje conhecida por todos: era uma pirataria institucionalizada. Por trás do aparente profissionalismo das empresas envolvidas, a verdade é que a maior parte desses cartuchos de jogos eram lançados por aqui sem pagamento de royalties para as empresas estrangeiras.
Até onde eu sei, a CCE lançou dois modelos diferentes do Supergame “grande”, que é o que eu tinha (não lembro qual modelo era o meu). Um terceiro modelo (de tamanho bem reduzido e joysticks diferenciados que não podiam ser removidos do console) chegou a ser lançado, e também era bem popular.
Além de ser meu primeiro videogame, o Supergame foi o console definitivo da minha infância. Eu o tive por longos cinco anos, de 1987 a 1992. Nos meus últimos dias com ele, eu tinha passado nada menos do que metade do meu tempo total de vida convivendo com Space Invaders, Pac-Man, Frogger, Pitfall, Megamania, Enduro, Mr. Postman, Keystone Kapers, Donkey Kong e tantos outros.
Os primeiros anos foram de absoluto encantamento e diversão, mas no final desse período eu preciso confessar que já estava completamente de saco cheio do Atari. Nada mais natural: em 1992, os videogames de terceira geração já estavam extremamente popularizados, e as atenções dos fãs de videogames estavam voltadas para os maravilhosos Mega Drive e Super Nes, as máquinas que estabeleceram a então toda-poderosa quarta geração de videogames. Por mais que o meu querido “Atari-compatível” tivesse me entretido em anos anteriores, naquela altura do campeonato já não dava mais pra se divertir com aqueles jogos excessivamente precários e simplórios. A magia havia se esgotado.
Felizmente, naquele ano, minha necessidade por novidades foi atendida com a chegada de um fantástico computador MSX. Pouco depois, vendi o meu velho Supergame de guerra (coisa da qual me arrependo amargamente até hoje). Anos mais tarde, já adulto e na condição deretrogamer, a minha paixão pelo pioneiro e fantástico Atari 2600 voltou com tudo – e, dessa vez, para nunca mais ir embora.
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